Revelações/Revelations

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Vistas contemporâneas

 

Maria Angélica Melendi

 

Dizem que na porta do seu estúdio, Eugène Atget tinha colocado uma placa com a inscrição Documentos para artistas. Eram suas próprias fotos, que vendia para pintores como Braque e Utrillo. Os surrealistas, anos mais tarde, não negarão o caráter documental dessas imagens; verão nelas, apenas, as marcas da ausência.

 

Talvez essa seja a palavra que nos sirva de guia para percorrer as fotos de Rodrigo Zeferino: ausência. Ninguém caminha por essas paragens vazias, essas ruas distantes, essas praias abandonadas. A figura humana é apenas uma sombra duplicada (a do fotógrafo?) ou um detalhe no fundo.

 

Rosalind Krauss nos lembra que, no final do século XIX, os fotógrafos costumavam usar vista, em lugar de paisagem, para descrever o gênero dos seus trabalhos. Afinal, paisagem é uma categoria canônica da pintura e o termo vista parece apontar para uma imagem sem mediação. Vista é a imagem de um sítio especial capaz de nos encantar por sua singularidade. Não é a toa que todos preferimos um quarto com vista.

 

Denominar vista a uma fotografia supõe também e, sobretudo, eliminar a autoria. Evidentemente algumas vistas eram impossíveis de serem vistas sem a mediação do operador porque se encontravam em lugares distantes, ou perigosos ou, de alguma maneira, inalcançáveis para as pessoas comuns. As vistas estão relacionadas com os relatos de viagens, com as caminhadas, com o tempo.

 

Nas imagens de Rodrigo, o tempo é o local onde a vista se encontra com a ausência. Tempo da destruição, do desgaste, da efemeridade: construções arruinadas pelo passo dos dias, escombros, terrenos baldios, um resto de parede azulejada onde alguma vez houve uma cozinha.

 

Mas há também um outro tempo: o da fotografia, o longo tempo de exposição que adivinhamos nesses céus rajados de estrelas. Ante a câmara imóvel, o universo se desloca e gira. O operador, o fotógrafo, não vê o movimento imperceptível dos astros, mas o olho solitário da câmara o registra em delicada chuva pálida.

 

Ao largo das grandes vistas e dos lugares característicos — como diria Benjamin de Atget —, Rodrigo detém-se (e nós com ele) no vazio de uma luz crepuscular, no céu violeta que se estende atrás da vitrine espectral, onde roupas dependuradas balançam lentamente, como fantasmas enforcados.

 

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