Sliced Land
por Eder Chiodetto
Translation by Ben Kohn
Opening up trails, paths, roads. Forging ahead is paramount. Or is it? In insisting on expanding his own patch of land, man splits, constructs and moulds the landscape. In the transition from what the landscape has been to what it will become, traces gather as remains remain. Great monuments constructed in honor of absolutely nothing.
Amorphous volumes of a landscape which has, in the process of being transformed, lost what it originally was without taking on a logical form or acquiring a new function. The severed, naked earth suddenly reveals its formerly-secret layers of sediment which scrawl, sketch and color in improbable textures. Land in sight!
This problem-landscape with its abandoned banks seems to cry out for meaning, for a new sense to free it from the extraordinary appearance which civil engineering’s grotesque attitude has forced upon it. Even though this anti-aesthetic, useless landscape, ripped from its origins to be subject to raw, cruel exposure, does not feature in our contemplation of the beautiful and has no social function, although it does not remain silent, its size can’t be unnoticed.
It was precisely this outcry, this murmur emitted from the wilds and their exposed scars which triggered artist Rodrigo Zeferino’s creative process. The landscape’s paradox, transformed as it is to a raucous monument to absolutely nothing, is a starting point for the artist to perceive this interrupted cycle of meaning and to carry it forward pushing in turn the limits of photographic language so that, finally, the landscape finds a representation which affirms its place in the world.
In the world? Yes, in the infinite and individual symbolic and imaginary world which Zeferino gradually constructs and reveals to us in his series which cumulatively present in a most original and unexpected manner the collision between light and its effects on the earth. Or is it about the Earth – considering that at the core of his work is the capacity to produce a microcosm of the apparently banal in the poetic perception of the universe on a macro scale?
To represent this individual, stellar, fantastic world, Zeferino creates strategies which “magicalise” the landscape. The radical interventions made by engineering in violently sculpting the earth find a correlation in the artist’s use of photography. One transgression is superimposed upon the other, as Zeferino then goes on to somewhat transgress from photography’s standard codes.
The Images from Sliced Land are far from being the mechanical and respectful records landscape photography generally affords to monuments. The photography operates within this cycle of meaning created by Zeferino in order to destabilize the common visual perception. This means that the landscape’s estrangement finds its double in the erratic way the artist’s photographs employ long exposures and artificial lights which lend to the final image an aesthetic of unreal yet realistic contours.
At the end of the process the image represents exactly what escapes the human eye’s apprehension. Paradoxically, the photograph does not certify what exists, but documents what escapes us. Image-imagination! The common landscape becomes a set, a potent trace of a now-inapprehensible, stellar and lunar place.
The spinning, directionless earth now serves as a symbol of a universe invented by means of the artist’s iconography which has found its poetic essence in the improbable communion of the ruins of man’s expansionist raptures and photography’s capacity to create worlds parallel to reality.
In certain images, these strategies meticulously traced by Zeferino may inspire in us the vision of a lunar landscape or even the fairytale forests of children’s or fantasy novels, all the while underlined by the keen presence of man’s transformative landscape.
The alchemy inherent in the artist’s process concludes by reconnecting the formerly abandoned and uprooted earthly wilds with the cosmos. The stirring sky, the restless stars and the severed earth condemn the human omnipresence, the ages that flow from these photographs. Rodrigo Zeferino’s images echo the ancestry perpetuated in the cosmos in the absence of man’s actions.
Terra Cortada
por Eder Chiodetto
Abrir picada, caminho, estrada. É preciso ir em frente. É preciso? Na obstinação de ampliar sua fatia de território, o homem rasga, edifica, molda a paisagem. No trânsito entre o ter sido e o vir a ser da paisagem, acumulam-se vestígios restam restos. Grandes monumentos construídos em honra ao absolutamente nada.
Volumes amorfos de uma paisagem que ao ser transformada deixa de ser o que foi sem, no entanto, se constituir numa forma lógica ou adquirir uma nova função. A terra cortada, nua, num súbito, revela suas até então segredadas camadas de sedimentos que rabiscam, desenham e colorem em texturas improváveis. Terra à vista!
Essa paisagem-estorvo, em formato de barrancos abandonados, parece clamar por uma significação, um novo sentido que a livre da descomunal aparência que a atitude grotesca da engenharia civil lhes impôs. Essa inútil paisagem anti-estética, extirpada de sua origem para ser desvelada crua e cruelmente, não se dá à contemplação do belo, não possui função social, mas nem por isso silencia e tampouco sua escala a deixa passar despercebida.
É justamente esse clamor, esse sussurro emitido pelos grotões com suas cicatrizes expostas, que servira de detonador do processo criativo do artista Rodrigo Zeferino. O paradoxo da paisagem, transformada num estrondoso monumento ao absolutamente nada, é o ponto de partida para que o artista perceba esse circuito de significação interrompido e o leve adiante esgarçando, por sua vez, os limites da linguagem fotográfica para que, enfim, a paisagem encontre uma representação que lhe afirme um lugar no mundo.
No mundo? Sim, no infinito e particular mundo simbólico e imaginário que Zeferino vem aos poucos constituindo e nos revelando em suas séries que comumente equacionam de forma original e inesperada o embate entre a luz e seus efeitos sobre a terra. Ou seria sobre a Terra? – posto que na essência, seu trabalho possui a capacidade de verter o microcosmo do aparentemente banal na percepção poética do universo em escala macro.
Para representar esse mundo particular, sideral, fantástico, Zeferino cria estratégias que possibilitam “magicizar” a paisagem. As intervenções radicais feitas pela engenharia ao esculpir violentamente a terra, encontram um correlato no uso que o artista faz da fotografia. Uma transgressão se sobrepõe a outra. Logo, Zeferino corrompe, de certa forma, os códigos padronizados da fotografia.
As imagens de “Terra Cortada” estão longe de ser a devolução mecânica e respeitosa que a fotografia de paisagem em geral devota aos monumentos. A fotografia atua nesse circuito de significados criado por Zeferino com a função de desestabilizar a percepção visual comum. Assim, o estranhamento da paisagem encontra seu duplo na forma errática que o artista vai utilizar ao fotografar com longas exposições e o uso de luzes artificiais que conferem a imagem final uma estética de contornos irreais, ainda que factíveis.
Ao final do processo a imagem representa exatamente aquilo que escapa a apreensão do olho humano. Paradoxalmente a fotografia não certifica o existente, mas documenta o que nos escapa. Imagem-imaginação! A paisagem comum se torna cenário, vestígio contundente, agora, de um lugar inapreensível, estelar, lunar.
A terra revolvida e sem sentido agora serve de símbolo de um universo inventado por meio da iconografia do artista que encontrou o seu devir poético na junção improvável dos escombros deixados pelo arroubos expansionistas do homem com a capacidade da fotografia em criar mundos paralelos à realidade.
Essas estratégias meticulosamente tramadas por Zeferino, por vezes nos levam, em determinadas imagens, a antever uma paisagem lunar ou mesmo as florestas encantadas das narrativas das historias infantis ou da literatura fantástica, porém, com a presença incisiva da passagem transformadora do homem.
A alquimia que resulta do processo do artista finda por reconectar o outrora grotão de terra abandonado e desenraizado, com o cosmos. O céu em movimento, as estrelas em rebuliço, a terra cortada que denuncia a onipresença humana, o tempo que flui dessas fotografias. As imagens de Rodrigo Zeferino ecoam a ancestralidade do que se perpetua no Cosmos à revelia da ação do homem.