Transe maquínico

Transe maquínico

Duas obras literárias serviram de combustível conceitual para guiar a construção do discurso narrativo do projeto O Grande Vizinho. Uma delas figura entre as mais importantes obras poéticas da literatura de língua portuguesa. “Claro Enigma” (1951), sétimo livro publicado por Carlos Drummond de Andrade, marca uma mudança profunda nos sentimentos explorados pelo poeta em seus escritos. É um sujeito mais amargo e filosófico nesse momento.

Drummond sempre foi um tenaz defensor da liberdade, nas suas mais variadas manifestações. E ele andava deveras incomodado com os acontecimentos que dominavam o cenário político internacional no fim dos anos 40 e início dos 50. A polarização ideológica trazida com a Guerra Fria, a noção de correntes de pensamentos tão distintos e a imposição para se alinhar a um dos lados, conduz o poeta ao abatimento e ao pessimismo.

Pois é tomado por esse assombro que ele escreve o soturno “A Máquina do Mundo”, parte final deste livro em que, mais que nos anteriores, ele busca entender as angústias da humanidade frente ao vazio existencial que engolia o mundo.

Este poderoso poema, por conseguinte, é também inspiração para que o ensaísta José Miguel Wisnik nos entregasse o recém-lançado “Maquinação do Mundo” (2018), no qual ele analisa o impacto da mineração na obra drummondiana. O trabalho surgiu de uma viagem circunstancial de Wisnik a Itabira, cidade natal do poeta mineiro. Ao se deparar com uma paisagem marcada pela atividade mineradora, ele identifica questões cruciais para um escritor apegado ao provinciano lugar de origem e ao mesmo tempo marcado por um sentimento cosmopolita do vasto mundo.

O crítico oferece não apenas um estudo aprofundado de boa parte da obra de Drummond, mas também suscita referências de crucial importância para o entendimento da história da mineração em Minas Gerais e no Brasil, de como Itabira um dia se tornou o centro do mundo, atraindo as atenções das potências mundiais envolvidas em guerras e ávidos pelo ferro que abasteceria as caldeiras da indústria bélica.

Pois bem, no projeto O Grande Vizinho, tratamos de uma complexa cadeia de processos produtivos e relações sociais que têm na mineração seu start. As imagens nos colocam diante de um sistema maquínico brutal. Depois de quase dois anos fotografando a inter-relação visual entre a máquina e a comunidade, resolvi que deveria vê-la por dentro. Assim surgiu a segunda parte do projeto que traz uma visão contemplativa de alguns dos segmentos da longa esteira que conduz o processo de a fabricação do aço dentro de uma usina.

Surgem seres mecânicos que se mostram autônomos e parecem reger a própria cadeia produtiva a que servem. Gigantes de metal executando seu balé hipnótico ao passo em que se alimentam de pedra, a mesma pedra que Drummond viu escoar pelas ruas de Itabira e ir parar em qualquer ponto da Terra.

 

Serviço:

A exposição O Grande Vizinho acontece de 13/11/18 a 04/02/19 na galeria Hideo Kobayashi, no Centro Cultural Usiminas, em Ipatinga.

O projeto tem patrocínio da Usiminas via Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais.

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